Um grupo de jovens brasileiros tem recorrido à inteligência artificial para mostrar que robôs poderiam ser auditores perfeitos para manter os gastos públicos em ordem e, no futuro, punir e prevenir casos de corrupção.
Formado por programadores, cientistas de dados, jornalistas e um sociólogo, o coletivo batizou sua ação de "Operação Serenata de Amor". O nome é uma referência ao "caso Toblerone", um escândalo de corrupção que aconteceu na Suécia nos anos 1990 e resultou na renúncia da então vice-primeira ministra Mona Sahlin por usar o cartão corporativo para gastos pessoais.
Em resumo, a operação se baseia na Lei de Acesso à Informação, que dá à sociedade civil o direito de obter informações de interesse público, incluindo gastos de políticos.
O projeto, financiado por meio de crowdfunding, resultou no desenvolvimento de um bot, a Rosie - homenagem à robô do desenho "Os Jetsons" - para varrer milhões de notas fiscais de forma automática. O objetivo: detectar uso abusivo da cota parlamentar, reembolso a que deputados federais têm direito para exercício do mandato. Tal benefício, formalmente chamado de Cota Para Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP), autoriza reembolso de gastos como refeições, combustíveis, passagens, etc. E o limite de gasto para tal pode superar os R$ 40 mil, o que varia de acordo com estado do deputado e, claro, oscila com o bom senso de cada político. Para se ter uma ideia, só em 2016, foram gastos aproximadamente R$ 212 milhões com a cota.
Segundo os organizadores da iniciativa, há casos de parlamentares que fizeram refeições no norte e sul do país no mesmo dia e em um curto intervalo de tempo. Outras apurações identificaram compra de bebidas alcoólicas na cidade de Las Vegas (EUA) e outro caso de 13 refeições feitas no mesmo dia.
O coletivo ressalta que é preciso combater o aspecto cultural da corrupção. "Nosso foco é erradicar a corrupção pequena, mas em grande escala. É mostrar que a população está de olho até nos pequenos gastos. A ideia é atacar a corrupção derrubando a sensação da impunidade."
O algoritmo desenvolvido consegue cruzar milhares de dados das notas fiscais em busca de desvios, anomalias e possíveis casos de corrupção, diferenciando-os do que se trata um gasto legítimo. Com isso, o projeto consegue embasar denúncias para encaminhá-las para órgãos competentes, como o Ministério Público e a imprensa.
"Fizemos 629 denúncias à Câmara dos Deputados e recebemos, até então 25 restituições de dinheiro público. Ainda aguardamos aproximadamente 500 respostas oficiais da Câmara. Desde a conclusão do projeto de crowdfunding, foram três meses de trabalho em tempo integral em cima da implementação da Rosie. E após isso, colhemos os frutos das primeiras análises do robô. Foram mais de 3.500 denúncias feitas por ela nesse período", explica o jornalista Pedro Vilanova, que integra a equipe do Serenata. A operação questionou, no total, R$ 378.844,05 em gastos de 216 deputados.
Todos os dados e códigos da operação também são abertos e podem ser auditados e melhorados, informa o coletivo. Se confirmado o ato de corrupção, inicia-se um processo de publicização de todos os dados referentes ao caso, algo que visa prevenir que cidadãos voltem a votar nessas pessoas. Após passarem pelo software, as denúncias ainda são analisadas por uma pessoa, que depois encaminha as denúncias. O grupo costuma aguardar respostas para divulgar os casos.
Há uma série de desafios para entregar uma solução com os propósitos da Rosie. Além do massivo volume de dados desestruturados referentes às notas fiscais - cerca de 3 milhões - há outras sutilezas inerentes ao projeto, explica Vilanova.
"Os desafios são muitos, desde estruturas todas as informações, debugar datasets, até entender a lei, após muito estudo e conversas com juristas, para ensinar as hipóteses para a Rosie".
O grupo agora se prepara para uma segunda fase da Operação Serenata de Amor, tendo lançado recentemente nova campanha de crowdfunding para dar continuidade ao projeto.
"Acredito que continuaremos na CEAP até esgotarmos os estudos de todas as hipóteses de mau uso de dinheiro público. E ainda faltam subcotas para a Rosie analisar. Daí pra frente, também pensamos em aplicar a Rosie no Senado, em câmaras municipais e por que não em empresas privadas", prevê Pedro Vilanova.
A ideia de usar inteligência artificial para combater fraudes e corrupções apresenta vantagens que dizem respeito não só a velocidade na análise dos casos, como também a neutralidade de sua natureza.
"Somos um projeto de tecnologia que também visa conscientização política por meio de transparência e esclarecimento das pessoas. Quando feitas com seriedade, as AIs minimizam alguns problemas recorrentes em trabalhos humanos, como parcialidade, imprecisão e uma grande demora para solucionar alguns casos. Um robô pode fazer tudo em questão de minutos e - em casos como o nosso - ser acompanhado por quem quiser. Além do mais, não é possível corromper um robô. Ele trabalha dentro de algoritmos e tem uma entrega a ser feita, não dependendo da aprovação ou do poder de influência de terceiros sobre o seu trabalho", defende Vilanova.
Fonte: IDGNOW