Para palestrante, falta um mundo gentil para o autismo


A Apae de Três de Maio promoveu, na semana passada, momentos de muito conhecimento e troca de experiências sobre autismo com a ortopedagoga, neuropsicopedagoga e especialista em autismo e deficiência intelectual Katrien Van Heurck, de Campinas - São Paulo. A profissional desenvolveu, na Bélgica, em 1990, um trabalho para pessoas com autismo e outras deficiências, e desde 2011 trabalha no Brasil com o objetivo de aliar conhecimento teórico à prática.
Katrien destaca que se apaixonou pelo autismo, e quando veio pela primeira vez ao Brasil, em 2005, sentiu-se uma pessoa rica de conhecimento, de informação e prática que trazia consigo a cerca do tema, percebendo que poderia fazer a diferença. "Isso me motivou para encontrar uma maneira para fazer a diferença para o melhor, e há oito anos estou morando aqui e percebo que, por onde eu passo, planto sementinhas. Minha motivação principal é ver o brilho nos olhos dos autistas, pais e educadores; esse brilho de alívio que parece que eles nos dizem 'ufa, alguém nos entende'."
Para ela, o que falta hoje é um mundo gentil para o autismo; um mundo onde as pessoas comecem a conhecer o outro. "Falta, também, capacitação para profissionais e professores, conhecimento dos pais em relação ao autismo e médicos mais humanos que explicarão melhor o que é o autismo. E tem ainda o preconceito. Todos estes tópicos têm muitas falhas. Falta respeito para ser diferente. Precisamos acabar com a nossa defesa particular. Não somos perfeitos e devemos aceitar o outro como ele é; aceitar as diferenças. Nós temos que nos adaptar a eles para depois sermos capazes de educá-los."
Katrien afirmou que, atualmente, uma a cada 58 pessoas têm autismo. Por isso, segundo ela, temos pela frente um grande desafio. "Não podemos ter medo e ficar presos em preconceitos. Vamos conseguir vencer isso conhecendo mais sobre autismo e saindo da zona de conforto. Pergunte, tente ajudar, mas não ignore essas pessoas e suas famílias. Abra seus olhos e comece a enxergar o autismo como algo normal. Será difícil, mas não impossível. Ainda há pais que ignoram o fato do filho ser autista, e nestes casos digo que não podemos culpá-los. Será que eles tiveram uma orientação humana? Será que alguém lhes perguntou como se sentem ou o que precisam? É necessário nos colocarmos no lugar deles e evitar o julgamento."


Autismo: para ajudar é preciso entender

Com este tema, palestra na Câmara de Vereadores reuniu grande público

'A gentileza autista: para ajudar é preciso entender'. Foi assim que Katrien iniciou sua palestra para a comunidade na quinta-feira, 11 de julho, na Câmara de Vereadores de Três de Maio. Com o plenário lotado, o evento contou com a participação do presidente da Apae local, Vilson Foletto, integrantes da diretoria e colaboradores da instituição, bem como comunidade local, professores, diretores de escolas, alunos, pais e profissionais da saúde, além dos vereadores Lucia Marmitt e Flávio Pagel. Também esteve presente o aluno autista da Apae, Lorenzo Idalgo Fiut, acompanhado da família.
O autismo, cientificamente conhecido como Transtorno do Espectro Autista (TEA), é caracterizado por problemas na comunicação, na socialização e no comportamento, geralmente diagnosticado entre dois e três anos. "É importantíssimo tratarmos sobre autismo. Talvez vocês conheçam alguém com TEA, distúrbio neurológico percebido ainda na infância e grande impacto na forma de sentir as coisas e interagir com o mundo. Trago aqui que é possível superar os desafios e viver de forma positiva. Mas é fundamental refletir sobre autismo e estudar, conversar sobre o tema, para que cada vez mais se tenha acesso à informação e se saiba lidar com os autistas, acolhendo ele e sua família. E a Apae de Três de Maio, preocupada com o aumento do autismo no município, traz uma palestrante de renome para abordar este assunto", disse a diretora pedagógica da Apae, Simone Rossi Tiecher, ao realizar a abertura da palestra. 

"Autismo é amor e carinho"
Katrien contou, brevemente, sobre sua trajetória profissional. Natural da Bélgica, Katrien se mudou, em 2011, para Poço de Caldas - MG, onde começou a trabalhar como coordenadora em atividades para crianças e jovens com autismo. Depois de dois anos, não teve seu contrato como voluntária prorrogado, por dificuldades financeiras de onde atuava. "Contudo, foi naquele momento que aprendi que quando Deus fecha uma porta é para abrir janelas. E isso ocorreu na minha vida, quando a Federação das Apaes de São Paulo me procurou para ministrar cursos para as Apaes de lá. Em 2013 comecei a capacitação e conheci outras escolas, pessoas e famílias com autismo. Hoje trabalho como professora em faculdades e sou capacitadora. Considero importante trabalhar com pessoas com autismo e suas famílias porque autismo, infelizmente, ainda hoje, sofre preconceito muito grande. Autismo não é agressividade, comportamento inadequado nem pessoas mal educadas. Autismo é amor e carinho. Mas para conseguir isso, é necessário conhecer a pessoa autista e se vincular a ela, criando laços amorosos e acolhendo-a."
Conforme a ortopedagoga, o autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento. Por isso, o cérebro do autista não funciona como o nosso. E esse transtorno já aparece durante a gravidez, pois o cérebro é o primeiro que começa a se desenvolver. "As causas do transtorno ainda são uma incógnita. É uma disfunção neurológica, que pode ocorrer por questão genética, mas hoje os fatores ambientais também podem ser causadores."
De acordo com a profissional, crianças com autismo têm potencialidades e habilidades diferentes, mas que demoram em serem demonstradas. Segundo ela, autistas são caixinhas de surpresas! "Precisamos começar a usar as qualidades que eles têm. Todos têm potencial; por isso não vamos nos focar nas limitações."


Autistas aprendem com o exemplo
Katrien diz que temos a sensação de corrigir, falar o que não pode, mas a negação para o autista não surte tanto efeito. "Eles não sabem o que têm que fazer porque precisam enxergar o que fazer. O mundo atual para eles é difícil, porque as pessoas falam demais; querem explicar tudo através da fala, mas isso só cria mais caos na cabeça deles. O autista não consegue captar todas as palavras na hora. Por mais que falemos, palavras são abstratas. Autistas precisam de exemplos e não de palavras."

Aprendizagem precisa ser funcional
A percepção sensorial dos autistas também é diferente. Barulho, toque e cheiro, por exemplo, coisas que não nos incomodam, são sentidas de forma diferente por eles. A palestrante também tocou em um ponto importante: sobre a funcionalidade da aprendizagem. Para ela, o que é ensinado ao autista tem que contribuir na vida dele. Caso contrário, não será útil. "De nada adianta decorar letras ou números se a criança não souber para que servem. A primeira coisa que o autista deve saber ler e escrever é o próprio nome. Uma vez que aprende isso já é um grande ganho. Depois, o sobrenome, endereço, e aí por diante. Precisamos nos perguntar se o que estou ensinando a ele é útil. Se a resposta é nada, precisa mudar. Quando ele vai, junto com os pais, ao mercado ou ao banco, precisa saber se virar lá."
Ela acrescentou que toda aprendizagem do autista, seja na escola ou em casa, deve que ocorrer de forma individualizada. Uma vez que ele aprendeu, pode fazer em grupo. "Volto a frisar que eles precisam de exemplos, pois explicação teórica não é com eles. Mas, se verem o professor fazendo, aprenderão. Por isso, o professor precisa se adaptar ao aluno autista; os pais devem se adaptar ao filho autista. Temos que respeitar a particularidade de cada um. E não existe receita pronta porque cada autista é único."
"Autistas sofrem muito porque a nossa sociedade está focada somente na normalidade. Se você sai disso, as pessoas já olham e comentam. Mas, afinal, o que é ser normal? Normal é uma palavra de difícil denominação. Muitas vezes a cobrança nas escolas, famílias, trabalho, sociedade em geral, é atingir a normalidade. Autistas de alto funcionamento estão tentando ser como os outros, atingir esta dita normalidade, mas também estão sofrendo porque não alcançam isso, pelo simples fato de serem diferentes. Por isso é importante que nós, os 'ditos normais', saibamos nos abrir mais para as diferenças. Conhecer e entender o autismo para depois ser capaz de ajudar e acompanhar."
A ortopedagoga assegura que a sociedade precisa se tornar mais gentil. "Autista precisa de firmeza, regras e limites. Não podemos tratá-los com dó, porque eles não são coitadinhos, apenas precisam de nós para poder mostrar do que são capazes. Para educar tem que gostar do que está fazendo. Educar com entusiasmo, pois se o educador está motivado, a criança também estará. Estabelecer vínculos, se tornar amigo desse aluno autista lhe causa segurança. Autistas precisam de um ambiente seguro, estável, com rotinas, e necessitam visualizar isso, porque assim se tranquilizam", reforça.
"Deixo como sugestão para vocês três palavras: paciência, paciência e paciência. Contem até dez, respirem. Todos autistas desejam ser tratados como qualquer pessoa. Se ele se sente abraçado, vai progredir e se desenvolver, gerando independência e felicidade. Conviver com autismo é nos adaptarmos ao outro e às suas diferenças. Conhecendo, vocês irão concordar comigo que vale a pena, porque eles são nota 10! Autistas são puros, honestos e perfeccionistas", finaliza Katrien. Após, foi aberto espaço para perguntas e colocações dos presentes. "Vocês devem acreditar e nunca desistir dos seus filhos", diz Katrien

Em encontro na Apae, pais de alunos autistas trocaram experiências

Na manhã de sexta-feira, dia 12, pais de alunos com autismo da Apae participaram de uma roda de conversa com Katrien com o tema 'A percepção autista: uma percepção sensorial'. Participaram do encontro 20 pais, que puderam se apresentar e também falaram de seus filhos, trocando experiências e sanando dúvidas com a profissional. Também estiveram presentes profissionais da saúde da Apae e a diretora pedagógica da instituição, Simone Rossi Tiecher.
Katrien iniciou sua fala afirmando que cada pai e mãe que ali estava havia recebido um filho perfeito no momento do parto. "Os filhos de vocês 'caíram do céu'. Por que digo isso? Porque ninguém se preparou para ter um filho autista; aconteceu. Os autistas não têm características físicas que os definam, do contrário do que ocorre com pessoas com deficiência física, por exemplo. Vocês perceberam que o filho era diferente depois de certo tempo. Então, precisam ser profissionais e se capacitarem para educá-lo. Vocês precisam de orientações. Os autistas são, e vocês verão que eles são capazes de aprenderem e de se desenvolverem. Daqui cinco anos eles estarão diferentes, irão evoluir. Vocês devem acreditar e nunca desistir dos seus filhos", disse.
A profissional explicou que o autismo não é algo de outro planeta, mas sim pessoas com habilidades diferentes. "Temos que descobrir quais são essas habilidades e trabalhar em cima disso. E não é somente na escola, mas na família, já que é com vocês que o filho fica a maior parte do tempo."
Ao final de cada apresentação, Katrien afirmou que, embora cada criança seja única, as características eram semelhantes. Teimosos, ansiosos, agitados, do jeitinho deles. "Eu sei que os filhos de vocês são inteligentes, mas mal interpretados. Crianças com o Transtorno do Espectro Autista não são mal educadas, como costumam dizer. Elas apenas têm outro funcionamento do cérebro, que trabalha diferentemente do nosso; é uma disfunção neurológica causada ou por questão genética ou por fatores ambientais. O cérebro de um autista faz 'ligações' diferenciadas. Exemplifico como quando ouvimos um barulho: nós entendemos o que é (música, buzina ou falas mais altas ou mais baixas) porque temos filtros no cérebro para que não nos assustemos. Mas o autista não tem, e por isso, ao escutarem um som, se assustam na maioria das vezes. Ou seja, eles entendem de forma diferente e têm reações diferentes das nossas."
Outro ponto abordado por Katrien foi em relação ao exemplo dos pais. De acordo com a ortopedagoga, muitos autistas são agitados porque não entendem o que é para fazerem em determinadas situações. Logo, os pais precisam ensinar e mostrar. "O autista precisa do exemplo dos pais. Ao fazerem as refeições, vocês precisam comer junto com o filho para que ele veja. Digo que 'ver comer faz comer'. Muitas crianças com autismo só comem determinados alimentos. Por isso, a introdução de novos alimentos precisa ser aos poucos", explica.
"Vocês devem manter a calma e respirarem em situações que são complicadas. Não podem se alterar, caso contrário, irão passar esta energia para eles. É dever dos pais entender os filhos. E os autistas não são insensíveis. Por muito tempo se dizia que o autista vivia no próprio mundo, isolado, como se estivesse em outro planeta, o que está muito errado. O tempo todo eles estão ligados, percebendo tudo. Por isso é fundamental que vocês mantenham a calma. Cabeças confusas geram crianças nervosas. Logo, vocês precisam ser claros e objetivos com eles. Não podemos nos fixar no que eles fazem de negativo, mas sim nas habilidades que cada um tem."
Katrien finaliza afirmando que Rubem Alves já dizia que quando um educador manda a criança fazer algo, ele já a estragou, porque ela não irá fazer. Ou seja, ela precisa de um bom exemplo. "Para vocês, pais de autistas, aconselho terem paciência, respirar, se equilibrar, depois redirecionar o comportamento."

Texto e foto: Assessoria de Comunicação Apae Três de Maio

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